sábado, 19 de novembro de 2016

Arquitetura e delírio, uma leitura de Nova York delirante


Après l'amour, tendo os edifícios Chrysler e Empire State como modelos, quadro da holandesa Madelon Vriesendorp

Rem Koolhaas tinha 34 anos quando lançou Nova York delirante, em 1978. Era um jovem arquiteto holandês, arrojado, fundador do escritório OMA (Office of Metroplitan Architecture). Seu livro sempre foi um sucesso, mas nunca tinha sido publicado no Brasil, até que em 2008 a hoje extinta editora CosacNaify deu à luz uma edição em português (368 páginas, tradução de Denise Bottmann).

A modernidade nasceu em Paris, mas foi cultivada, e cresceu, em Nova York. Koolhaas, que hoje tem 71 anos, tornou-se a cara da cidade ao propor uma biografia que gira mais em torno de volumes e proporções, das figuras dos arquitetos, metáforas e espaços geométricos do que dos cidadãos cosmopolitas que a ergueram.

Ele conta a história de todos os grandes prédios erguidos em Manhattan e dos projetos delirantes que não saíram do papel. Seu texto é bom, mas a beleza do livro está mesmo é na tese sobre os delírios das mentes forjadoras do local mais cobiçado do mundo, está na exposição de seu pensamento geométrico.

Seu manifesto tornou-se desde então uma linha teórica do urbanismo, um pensamento crítico sobre o crescimento das metrópoles e sobre a cultura da congestão. Embora o título traga a palavra Nova York, a ambição de Koolhaas neste livro é mostrar um ideal por trás da construção de Manhattan.

Durante muitas décadas, a ilha foi o grande projeto urbano, tanto dos holandeses, no começo da colonização (1609, ano da “descoberta”, passando pelas primeiras famílias holandesas que chegaram para fundar a cidade em 1623, até 1664, quando a Holanda fez um acordo com o império britânico e negociou o local), quanto dos ingleses.

Koolhaas quis expor a teoria do manhattanismo, com projetos que iriam até mais ou menos a década de 1940, “cujo programa – existir num mundo totalmente fabricado pelo homem, isto é, viver dentro da fantasia - era tão ambicioso que, para se tornar realidade, nunca podia ser enunciado abertamente.” Daí o delírio.

Uma invenção foi fundamental para a corrida delirante: o elevador. Antes dessa tecnologia, os prédios subiam no máximo quatro andares. Por isso, a maioria dos edifícios em Paris, por exemplo, cidade bem mais velha e tradicional, só chega a esse nível de elevação. Ninguém era doido o bastante para subir e descer alturas maiores.

Nova York

Com o elevador, vieram os projetos de arranha-céus cada vez mais altos. A construção do Empire State Building, em 1931, é um desses delírios, “cujo único programa é dar concretude a uma abstração financeira – isto é, existir.”

O Chrysler Building, o conjunto de prédios do Rockefeller Center e uma série de outros prédios teceriam um emaranhado de concreto espetado no solo da ilha que encantaria o mundo. Outro delírio é o Central Park, “‘tapete arcádico’ sintético”, com vegetação importada de outros solos.

Delírio

É claro que em torno desse ideal, foi-se criando uma realidade urbana que ultrapassou os limites. Mas houve projetos inacreditáveis com o intuito de fazer da ilha uma espécie de “teatro de atrações”, que ficaram só no papel. Não havia modéstia.

Uma dessas ideias era a da Perisfera: um único arranha-céu de cem andares num espaço circular tomando Manhattan e adjacências. Ou seja todo o resto nesse diâmetro, incluindo o Chrysler e o Empire State, desapareceria. Vastas avenidas sairiam do pé desse edifício “rumo a jardins, parques  e campos desportivos” (um projeto delirante encabeçado pelas ideias de Le Corbusier).

Outro projeto delirante era o de torres numa ponte sobre o Rio Hudson entre Nova York e Nova Jersey, dentro das quais haveria vinte pistas, com pedestres indo de um lado para o outro. Havia ainda o projeto de “um segundo nível de tráfego de pedestres num recuo a dez andares de altura”, além das propostas de comportamento urbano de Salvador Dali em seu Método Crítico Paranoico (MCP).

Modernidade

Koolhaas é casado com a artista plástica Madelon Vriesendorp, também holandesa, cujos quadros sobre a paisagem de Manhattan aparecem no final de Nova York delirante, assimilando o surrealismo de Salvador Dali, a psicanálise e a arquitetura moderna da cidade. Um deles tem o Empire State Building e o Chrysler Building deitados numa cama, como se estivessem dormindo, dividindo um leito, enquanto do lado de fora a multidão de prédios os vigia.

O livro de Koolhaas é uma obra e tanto para quem pensa espaços, sobretudo leitores dotados de visão artística e de pensamento geométrico. No mínimo, nos mostra como pensavam arquitetos e artistas como A. Stwart Walker (Fuller Building), Leonard Schultze (Waldorf-Astoria), William Van Alen (Chrysler Building), Ralph Walker (One Wall Street), Lamb e Harmon Shreve (Empire State Building), Raymond Hood, Wallace K. Harrison e Andrew Reinhard (Rockefeller Center), Le Corbusier (mais tarde, com a sede da ONU) etc. que ajudaram a forjar a figura moderna de Nova York.

Manhattan se tornou mais que realidade delirante, passou de sonho geométrico a um conjunto de metáforas vivas até hoje cobiçado.


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