domingo, 15 de julho de 2012

Globo: a biblioteca Jorge Amado

A bela Juliana Paes, representando Gabriela, personagem que mexe com a libido masculina

Quem nunca ouviu falar de Teresa Batista, Perpétua, Tieta, Rosa Palmeirão, Maria Machadão, Gabriela, nomes que, sem nenhuma coincidência, são femininos. A maioria dos brasileiros raramente lê um livro por ano, mas sabe bem quem são estes personagens, todos eles saídos do fantástico universo imaginativo do baiano Jorge Amado (1912-2001).


A emissora de televisão que mais contribuiu para que Jorge Amado fosse tão reconhecido como escritor foi a Rede Globo, com telenovelas como Gabriela, Cravo e Canela, que recentemente voltou ao ar numa segunda versão, com Juliana Paes no papel principal (papel este que outrora fora da deslumbrante Sônia Braga), Porto dos Milagres, Tieta, e séries como Teresa Batista, Cansada de Guerra, O compadre de Ogum e Dona Flor e seus dois Maridos.

Mas não só a Globo desempenha esse papel. Em 1989, a TV Bandeirantes exibiu uma série baseada no livro Capitães da Areia, que no ano passado também virou filme. A série foi um sucesso, e em função dela muita gente, principalmente os garotos, correram ao livro e aprenderam a ler literatura.

Vários outros trabalhos do escritor baiano sempre estiveram na mira da televisão e do cinema, do teatro, da crítica literária, das dissertações de metrado, das palestras sobre literatura. Mas é a Globo, sem dúvida, que aparece como uma espécie de Biblioteca Jorge Amado, o acesso mais democrático aos personagens sensuais, polêmicos até hoje e realistas ao extremo.

Figuras

Uma das figuras que sempre aparecem desse acervo, entre sexo, nudez e voluptuosidade, é a da mulher casada, mulher de família, certinha e bem comportada, que de repente rompe-lhe o senso moral, ou quebram-lhe as amarras dos bons costumes e descobre que a felicidade é virar puta.

Para que isso aconteça, claro, é preciso o retrato do prostíbulo. Nos livros de Jorge Amado, que aborda a realidade social, político e econômica do Nordeste baiano, há sempre um bom lugar para os lupanares. Nas telenovelas, então, isso é catapultado à enésima potência, e mulheres deslumbrantes, sensualmente lindas e fartas de peitos e bundas aparecem rebolando em cenas e mais cenas.

E é aí que entra a representação da dona de casa recatada, cujo marido é uma pedra roliça, grosseirão, sem a menor sensibilidade, nem na hora da mesa, e muito menos na hora da cama. Na visão de Jorge Amado, que conhecia bem a realidade social brasileira, principalmente na decadente região do cacau, que não difere em nada do Brasil adentro, a delícia do sexo acontecia mesmo era nos prostíbulos.

Por isso, quando uma mulher casada, carola, entristecida ou não, mas no fundo da alma carente, conhecia, por acidente ou por curiosidade, a Casa da Luz Vermelha, sentia-se como se o mundo inteiro lhe fosse jogado no colo apenas com o calor das coisas boas. A partir daí, ou ela quer virar uma das Tias Chininhas ou quer ser tratada como tal.

Em Tieta, por exemplo, há casos exemplares, a começar pela protagonista de mesmo nome (Betty Faria), que após ser expulsa da cidadezinha de Santana do Agreste, vai para São Paulo e lá se torna prostituta, ganha não só a vida e a liberdade, mas muito dinheiro também como cafetina. Volta à cidade para se vingar, mas sem que ninguém saiba que ela fora mulher da vida. É quando a história deslancha.

Dentro dessa história deslanchada, no entanto, há a irmã de Tieta, Elisa (Tássia Camar­go), a mulher de Timó­teo D'Alembert (Paulo Betti), que não comparecia com tanta ansiedade quanto Elisa gostaria. Isso acabou desenvolvendo na mulher duas taras, uma por Tarcísio Meira, que só aparece na novela em sonhos do personagem de Tássia, e outra pela fatídica vontade de querer ser tratada como puta.

Várias histórias

Em Porto dos Milagres, baseada no romance Mar Morto e na novela A descoberta da América pelos turcos, de Jorge Amado, essa vontade acabou se tornando realidade. O personagem de Mônica Carvalho, Maria do Socorro, entrou por curiosidade num lupanar e, como mariposa à luz, cheia de encantos, de lá não saiu nunca mais. Em Gabriela, um dos pontos centrais da trama exibida pela TV Globo como novelas das 23 horas é o prostíbulo.

Nos primeiros capítulos, ali, uma mulher da alta roda, vivida por Maitê Proença, teve um entrevero de deslumbres e quase sucumbe ao feitiço da ‘vida fácil’. Agora nos próximos capítulos vai se desenvolver a história de um casal de artistas, cuja mulher é vivida pela bela Bruna Linzmeyer, cujo personagem traz no nome o que ela é de fato, Anabela.

Ela vai fazer shows justamente na Casa da Perdição, no extraordinário lugar da fuga e do esquecimento, o Bataclã. E a tentação estará à solta. Por essas e por outras, que se tornam debates de nossa cultura popular, é que vale Jorge Amado.

Vale lembrar que há a opressão, as histórias de conflitos sociais, da arbitrariedade dos coronéis, da submissão feminina, da vida difícil no sertão, do mar, o mar, o belo mar azul do litoral, o entrelace de vidas e desejos, fogo e ardência sob o sol do Nordeste, poder e polícia, discriminação, marginalidade, a vida e a morte de um povo. Há tudo isso na obra de Jorge amado.

Se a Globo é biblioteca de sua obra, a visita aos livros de verdade do autor de A morte e a morte de Quincas Berro D’água, também vale. As telenovelas podem ser apenas uma porta de entrada, mas uma porta bem servida, diga-se de passagem.

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