quarta-feira, 25 de julho de 2012

Perdas servem para descobertas

Sandra Bullock, Thomas Horn e Tom Hanks: mãe, filho e pai em Tão forte e tão perto, filme ambientado na Nova York pós-11/09

Poderia se dizer que o Oscar 2012 trocou a sensibilidade pela mudez. Seria apenas uma boutade, mas certamente retrataria o fato de Tão forte e tão perto não ter ganhado o prêmio de melhor filme, que merecia, perdendo para o francês, em preto e branco e mudo, O artista. Mas isso também não é desculpa para se deixar de ver essa boa versão do livro Extremamente alto e incrivelmente perto (2005), do norte-americano Jonathan Safran Foer.

É possível começar por qualquer um dos dois, o livro ou o filme, mas vale a pena mergulhar nas cenas trabalhadas por Stephen Daldry, cineasta craque nesse negócio de abordar o universo sensível das pessoas, como nos ótimos Billy Elliot, As horas e O leitor. Em Tão perto e tão forte, um menino de cerca de dez anos perde o pai no atentado de 11 de setembro e acaba ficando angustiado, saindo em busca de respostas para perguntas que ele mal sabe formular.

Oscar, o garoto interpretado pelo mirim Thomas Horn, é um típico novaiorquino da classe média de Manhattan, bem informado, bem nutrido, inteligente e cheio de sonhos. Ao não aceitar a morte do pai (Tom Hanks), espera reencontrá-lo num lugar especial. O pai era um contador de histórias que instigava o espírito aventureiro e curioso do menino.

Escarafunchando nas coisas do pai morto, Oscar acha uma chave dentro de um envelope que traz também um bilhete escrito “não pare de procurar”. E com essa chave, vai à procura do mistério que envolveu sua vida a partir de então. Agora órfão paterno, morando só com a mãe (Sandra Bullock) e se comunicando com a avó, que mora no apartamento no prédio em frente, por meio de um walkie-talkie, o garoto traça um plano de exploração de Manhattan para saber o que abre aquela chave.

É um garoto tentando lidar com suas angústias. O corpo do pai não é encontrado, desaparece com milhares de outros entre concreto, poeira e dor. O enterro é simbólico, um caixão vazio, e Oscar não entende nada disso. Ao longo de sua curta vida de criança, o que ele fazia era mergulhar nas histórias fantásticas de expedição e descobertas contadas pelo pai.

Ele então decide fazer uma dessas expedições. O que antes era um faz de conta que ele levava a sério, agora é uma jornada real pelas ruas de Manhattan, em que Oscar vai atrás de um tal Black, nome escrito no envelope onde estava a chave. Mas há vários Blacks, e ele quer visitar um por um para desvendar esse mistério da chave.

Anda pela cidade imensa sozinho pela primeira vez. Descobre pessoas, várias, cada uma de um jeito diferente, descobre um mundo plural. Pelo caminho, encontra hare krishnas, crentes, malucos, gente silenciosa, gente barulhenta, descobre a vida. Ele, que vivia num fantástico mundo de faz de contas, descobriu o mundo real, pulsando a velocidade de Nova York.

Imagens

Se Oscar descobre o mundo, o espectador descobre uma história de pais e filhos. Uma história de encontros e desencontros. Descobre um pai de outro filho e um filho de outro pai, histórias cruzadas pelo acaso, mas descobertas e reativadas para a vida pela insistência de um garoto que queria simplesmente encontrar respostas íntimas que religassem ele e seu pai de novo.

O filme inicia com a fala de Oscar tentando arrumar a bagunça de seu mundo que virara de cabeça para baixo. “Existe mais gente viva agora do que todas as que morreram em toda a história da humanidade. Mas o número de mortos só faz aumentar. Um dia não haverá mais onde enterrar os que morrerem.”

Ele então fala da possibilidade de – tal como os arranha-céus – se construírem imensos edifícios terra abaixo para depositar os corpos das pessoas que morrem, criando um lugar onde se poderiam fazer visitas de elevador. Essa imagem é literária ao extremo, e vemos aí o talento do autor do livro surgir com força.

A ideia de um arranha-céu ao contrário para enterrar mortos é a imagem das Torres Gêmeas, símbolo máximo do capitalismo e da imponência americana, caindo por terra e levando consigo milhares de pessoas que tinham suas vidas, suas famílias, seus filhos, seus pais, mães, empregos.

As falas seguintes de Oscar também criam belas e tristes imagens da angústia que o envolve, entre luz e sombra. “Se o sol explodisse, só daríamos conta oito minutos depois, porque esse é o tempo que leva para a luz chegar até a gente. Durante oito minutos ainda haveria claridade. E ainda faria calor. Fazia um ano que meu pai morrera. E eu sabia que meus oito minutos com ele estavam se esgotando.”

Sutilezas

Tão forte e tão perto é um filme cheio de sutilezas, de cenas desencadeadoras de emoção, como a de Oscar embaixo da cama, abatido, e a avó deitada no chão para falar com ele, a cena da briga entre ele e a mãe, quando ela diz que não se podia compreender tudo na vida, que não sabia porque o marido havia morrido, porque tinha de estar lá naquele instante.

A cena de Oscar ouvindo o pai na secretária eletrônica ao vivo, sem querer atender até a ligação cair no momento exato em que as torres desabam, e o menino também desabando ali na sala, é catalisadora da emoção dessa história, que acaba sendo uma história de filho e pai, um pai que mesmo ausente pela morte, não deixa de estar presente pela força máxima do afeto.

Neste sentido, Tão forte e tão perto pode ser uma boa dica para pais e filhos se descobrirem. O mérito do roteirista Eric Roth (Forrest Gump - o contador de histórias e O curioso caso de Bejamin Button) em trabalhar as palavras de Foer não pode ser negado.

Muitas vezes, as cenas ganham força justamente por causa do argumento por traz delas, o que demonstra a força incrível das palavras que vêm do romance de Foer. Talvez por isso não tenha sido indicado ao Oscar de roteiro adaptado, porque ficou próximo demais da atmosfera romanesca. Por outro lado, ver o filme pode ser também uma boa oportunidade de se descobrir um belo livro.

Filme e livro

Se Daldry é hábil em pôr nas telas a emoção dos indivíduos, as descobertas do que nos dá sentido para viver, Foer é genial no retrato de pessoas que saem em busca de sua identidade, no esclarecimento daquilo que as move. Em suas histórias, há sempre uma origem do mal ou do bem.

O pai de Oscar era, por sua vez, filho de um homem vindo da Alemanha, que o abandonara, sendo ele criado apenas pela mãe. O trágico na vida de Oscar era justamente o fato de ter um pai que jamais o abandonaria, mas sofreu a infelicidade do acaso que o deixou órfão, sendo criado também apenas pela mãe.

Essa busca pelo outro, a expedição que nos leva ao encontro de nossa identidade é tema recorrente na obra de Jonathan Safran Foer, que Daldry e Roth souberam captar bem. Em outro romance do autor, Tudo se ilumina, primeiro livro de Foer de 2002, quando ele tinha apenas 23 anos, a trama também gira em torno de uma procura.

Curiosamente, ali é contada a história de um jovem escritor judeu que quer saber mais sobre seu avô, que viera da Alemanha para a América, cuja família havia sido assassinada pelos nazistas, só ele escapando. O avô de Oscar cruza com o avô desse escritor no cerne da criação de Foer.

Digo isso para mostrar a importância dos dramas de família na obra de Foer e a importância do filme de Daldry como um meio de compreensão das relações familiares, de como se podem descobrir formas de um pai se aproximar do filho, antes que um dos dois se vá. A vida é como a chave encontrada por Oscar.

É como lhe disse um chaveiro, quando ainda procurava saber por onde começar: “nunca se sabe o que ela [a chave] pode abrir. Há milhões de possibilidades.”

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente na Tribuna do Planalto)

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