domingo, 14 de junho de 2015

Quem não ama é um simples fantasma

O amor é vário, mas deve se dividir em duas grandes categorias: o amor que se sente e o amor de que se fala. O primeiro, embora possa ser irradiante, poderoso e profundo (a depender de quem sente), é íntimo, pessoal e intransferível. O segundo é literário ou filosófico, está nos conceitos, vive no interior das palavras, nos textos, na poesia, na prosa, no fundamento estético, e é vasto.

Sempre que falamos eu te amo, corremos o risco de o outro entender o que dizemos como uma literatura particular. Do mesmo modo, o outro também corre o risco de ser tocado pelo próprio amor que sente no momento que dizemos eu te amo, quando na verdade dizemos apenas uma expressão meramente literária.

Pode parecer bobagem, ou complexo, mas isso só ocorre porque o amor mesmo é um paradoxo, tanto da moral (na subjetividade do homem), quanto da linguagem. Neste segundo sentido é que vemos poemas de amor se definirem no bojo das contradições, como em Vinicius de Moraes e Carlos Drummond de Andrade, para ficar no viés extraordinário da poesia brasileira.

Vinicius deixou versos como o Soneto do Amor Total: “Amo-te afim, de um calmo amor prestante/ E te amo além, presente na saudade/ Amo-te, enfim, com grande liberdade/ Dentro da eternidade e a cada instante.” Drummond escreveu coisas como as Sem Razões do Amor: “Amor é primo da morte,/ e da morte vencedor,/ por mais que o matem (e matam)/ a cada instante de amor.”

Tudo isso é literatura. Há uma infinidade de livros que analisam e comentam o assunto, como Do amor, de Stendhal, História do Amor no Ocidente, de Denis de Rougemont, passando por A Heresia Perfeita, de Stephen O’Shea, com a tese de que os cátaros inventaram o amor livre lá no século 13. Não é à toa que se diz que o amor de que se fala exerceu, e exerce, uma influência demasiada sobre o amor que se sente.

Na filosofia, o amor é objeto de interesse desde os gregos. Em todo caso, não muito distante de nós, um filósofo russo francófono, Vladimir Jankélévitch, debate o significado da moral e seus elementos no livro O Paradoxo da Moral, em que diz que o amor dá maleabilidade ao ser, mas em uma cadeia de paradoxos dentro da qual o homem precisa se equilibrar.

Por usar a lógica para explicar a moral como o principal problema filosófico existencialista, o livro de Jankélévitch é complexo, mas traz uma musicalidade ímpar. Pode ser lido como quem toca uma sinfonia de sentidos, em que o amor é emparedado pela lógica e se salva pelas contradições.

Em suas observações sobre o amor, vemos refletida a poesia de Vinicius e de Drummond. “O amor infinito, com sua abnegação infinita, tem necessariamente como sujeito um ser finito.” Eis o sofrimento. Ou: “Para amar é preciso ser, mas para ser é preciso, antes de tudo, amar: pois quem não ama é um simples fantasma.”

(Gilberto G. Pereira. Publicado originalmente em O Popular, 13 de junho de 2015)

Nenhum comentário: