segunda-feira, 21 de setembro de 2015

Bibliotecas interiores: livros registrados na memória

Quando aprendemos a ler e a apreciar a leitura, começamos a criar uma espécie de biblioteca mental, com livros que lemos e gostamos de ler, que ficaram grudados na memória e estão sempre ali, disponíveis no acervo de nossas lembranças. Ao longo da vida, para quem continuou a jornada solitária de leituras, quando se chega aos 40, já existem algumas centenas, quiçá milhares de livros registrados na memória.

Eles não estão na íntegra, como costumam estar nos HDs externos, nos tablets, computadores, bibliotecas virtuais ou físicas de toda ordem. O que há são fragmentos valiosos, porque se apresentam ao chamado da memória com uma série de adicionais, tais como cheiro, cores, espaços, movimento, relações afetivas e lembranças dentro de lembranças, dentro de lembranças que tangenciam outras lembranças.

Para alguns mais afortunados, isso tudo resulta em outros livros. Para a maioria, no entanto, resulta apenas na fruição ou na informação e na ampliação do repertório da vida interior, o que não é pouco. Afinal, lemos para encontrar cérebros mais geniais que o nosso (Harold Bloom) ou estabelecer relações afins com cérebros que nos pareçam produtivos. O diálogo que o leitor trava dentro do livro é uma relação de amizade. Segundo Peter Sloterdijk, a filosofia mantém-se contagiosa justamente porque tem essa capacidade de fazer amigos por meio do livro.

Nessas bibliotecas mentais, a diversificação do repertório vai depender do leitor. Há os que consomem de tudo e conquistam a fama de cultos (se tiverem boa memória). Há os que se segmentam e podem ser considerados metódicos. Dependendo da segmentação de leitura, o sujeito enriquece de tal maneira que vislumbra uma miríade de mundos literários.

Quem se especializa em Shakespeare, por exemplo, pode passar a vida inteira rastreando as pegadas translúcidas do gênio inglês e ainda assim lhe faltará vida para fechar o ciclo. Mas, em compensação, passeia por quase todos os matizes da cultura ocidental, incluindo o grande lance da subjetividade moderna que brotou da fonte shakespeariana, segundo Bloom.

Das malhas de leituras que ajudam a confeccionar um mundo cheio de nuanças em nossa alma, auxiliando-nos inclusive na capacidade de reconhecer o outro, uma bastante interessante é a que se erige em nossa biblioteca particular com livros solitários dentro de nós, de autores que muitas vezes conhecemos de um livrinho apenas, mas o suficiente para nunca mais esquecermos.

Trata-se de livros que lemos nas bibliotecas públicas, em casa de um amigo ou entreveremo-nos com eles em poltronas de livrarias. Depois queremos comprá-los, ou os levamos só na lembrança. Muitas vezes, é um exemplar raro que jamais teremos condição de adquirir. Outras, é possível tê-lo, e corremos atrás, achamos um exemplar em algum sebo, com marcas indeléveis do tempo ou de leituras anteriores, mas a felicidade se prolonga.

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