terça-feira, 27 de junho de 2017

Entrevista - A alma cantatriz de Bruna Caram

                                                                                             Foto: Twitter da cantora

Bruna Caram: Você está sempre sorrindo nas fotos. Alguma coisa te aborrece?
- “Muitas! Esperar... Barulho... Preconceito... Trânsito... Michel Temer...”
    


                                                                                                                                                          Foto:Perfexx Assessoria

Bruna Caram: “Meu maior trabalho é a divulgação, pois acredito que a música realmente muda a vida das pessoas.”    

Bruna Caram nasceu em Avaré, em 1986, interior de São Paulo, a 267 quilômetros da capital. Canta desde garotinha. Aos 20 anos, lançou seu primeiro álbum, Essa Menina, com canções marcantes que a colocaram no topo do sucesso nas rádios paulistas de MPB, como Palavras do coração (Otávio Toledo e J. C. Costa Netto).

Onze anos depois desse primeiro lançamento, ela já é bastante conhecida no meio musical. Fez parcerias com Chico César, Zeca Baleiro e vários outros artistas. Realizou turnês de cada álbum pelo Brasil e fora do país (Espanha e Portugal), além de ter lançado disco no Japão e nos EUA.

Seu quarto álbum, quase 100% autoral, Multialma, foi lançado no ano passado, e retrata bem o que ela se tornou ao longo da carreira. A música é uma espécie de síntese para Bruna Caram, que toca piano, violão, cavaquinho e estuda acordeon (sanfona), ballet clássico, interpretação e circo.

Formada em Licenciatura em Música pela Universidade Estadual de São Paulo (Unesp, no câmpus da capital), uma das melhores do país no gênero, Bruna é professora de canto e preparação vocal para atores, em São Paulo, onde mora atualmente.

Em 2015, foi convidada para fazer o papel da Rânia, irmã dos gêmeos Yaqub e Omar, da minissérie Dois irmãos, baseada no livro homônimo de Milton Hatoum e dirigida por Luiz Fernando Carvalho. Por causa dessa versatilidade, ela diz que tem uma alma cantatriz.

“Esta é minha marca: ser mais uma espalhadora de arte do que propriamente uma cantora. Minha necessidade não é cantar, é contar histórias. Seja lá da maneira que eu possa me comunicar, fico feliz e realizada. Estudo ballet, circo, desenho, escrevo, quero lançar meu próximo livro. Preciso me espalhar”, comenta.

Bruna Caram falou por e-mail com o Leituras. Na entrevista, não podemos ouvir sua voz límpida – capaz de tons serenos e seguros, ora em mínimos falsetes, ora em blues sofisticadíssimos, pequenas tristezas cantadas, como que dançando com o lado alegre da vida –, mas pelas palavras e pelo modo como ela responde cada pergunta, podemos ver sua imensa simpatia. E pelo sorriso, sempre.

Tem cinco irmãos e uma família gigantesca de primos (“tenho 30 primos-irmãos”). Morava com os pais, mas vivia na barra da saia da avó materna, Maria Piedade, que era cantora na era do rádio dos anos 1950. Seu vô Jamil Caram também era músico profissional, violonista 7 cordas.

“A casa da minha avó era uma escola de música. O andar de cima era cheio de pianos e brincávamos de tocar sempre, eu e meus primos”, lembra a cantora e poeta, que em 2015 lançou seu primeiro livro de poesia, Pequena poesia passional (resenhado aqui).

O Leituras não é especialista em música. A entrevista a seguir é generalizada, fala da artista e do modo como ela transita pela pluralidade dos gêneros de arte. Quem quiser ouvir sua música ou ler seu livro, acesso http://brunacaram.com.br,  ou dê um pulo no Youtube.


Leituras do Giba - Você estudou música na Unesp (câmpus da capital), uma das melhores faculdades de música do país. Como é o curso? O que você aprendeu efetivamente, uma vez que você já vinha de um ambiente muito musical de sua família? A faculdade foi importante para quê?

Bruna Caram - Sim, me formei em Licenciatura em Música pela Unesp. Foi uma experiência extremamente importante para mim, por muitas razões: por aprofundar meu estudo em música, percepção, teoria, harmonia e história; conviver com outros músicos com experiência diferente; conhecer a música erudita; usufruir do ensino público no Brasil com todas as suas qualidades e seus problemas; conviver com artistas de outras áreas. Foi um orgulho também ter o diploma de música, algo tão raro (ou inexistente?) no meio das cantoras brasileiras.

Que tipo de música você ouve com mais frequência?

Ouço música brasileira sempre. Intercalo com o jazz, a música francesa, o hip hop, mas a MPB (e suas vertentes de forró, samba, choro, frevo, entre outras dezenas) é minha raiz.

Dos seus quatro discos, qual é o mais autoral, aquele em que você põe letra, melodia, escolha de repertório, pitacos na produção?

Simples: o mais recente, Multialma, que é justamente meu primeiro álbum autoral. As canções são todas compostas por mim com ou sem parceiros, com exceção da faixa composta por Dominguinhos e Fausto Nilo, a linda Além da Última Estrela.

Sua música mais tocada nas rádios de São Paulo é Palavras do Coração (de Otávio Toledo e J. C. Costa Netto). Quem Sabe Isso Quer Dizer Amor também é bastante ouvida no Youtube. Você sente que as outras músicas trouxeram nas costas algum peso de cobrança por sucesso midiático, ou não?

É algo que me cobro pelo simples fato de querer que mais pessoas escutem minha música. Seja no rádio, no Youtube ou na TV, meu maior trabalho é a divulgação, pois acredito que a música realmente muda a vida das pessoas e gravo músicas que acredito serem poderosas, curandeiras, necessárias. Quando gravo, acredito nisso de todo coração.

Não me lembro de você ter vindo a Goiânia fazer show. Já veio? Quando? Se ainda não, virá algum dia?

Ainda não fui! Gostaria muito! Meu namorado é de Goiânia. :) Pretendo a cada turnê, e vamos trabalhando para isto!

Tem um vídeo no Youtube com você cantando Não aprendi dizer adeus (sucesso com Leandro e Leonardo) e tocando sanfona (acordeon, como você descreve em seu site). Qual é sua relação com a música sertaneja?

Ultimamente tenho estreitado os laços com a música sertaneja, que mexe com minha memória afetiva e minhas raízes. Não digo o sertanejo mais moderno, mas Chitãozinho e Xororó, Zezé di Camargo e Luciano, Leandro e Leonardo, duplas que bombavam quando eu era criança. Voltei a ouvir recentemente e perceber que há letras lindas e dramáticas, e minha alma cantatriz brasileira se alimentou disto. Também gosto de provocar nossa noção do que é brega e o que é popular. No caso, percebo que na música sertaneja o que há é uma passionalidade maravilhosa que acaba sendo chamada de brega mas é muito sincera. Por isso incluí esta canção no meu show, junto com o hino Evidências (sucesso estrondo na voz de Chitãozinho e Xororó em 1990).

Você estreou na televisão numa minissérie incrível, baseada num romance incrível de Milton Hatoum, Dois irmãos, e dirigida por um diretor incrível, Luiz Fernando Carvalho. Como isso ocorreu? Qual é sua trajetória nas artes dramáticas? Que escola de teatro você fez?

Não fiz nenhuma escola de teatro. Fiz uma oficina com minha diretora da vida toda, a Cris Ferri, que é atriz, prima da grande Myriam Muniz, que dirigiu Elis Regina no Falso Brilhante. Desde 2009, a Cris dirige meus shows e é minha mestra da interpretação. Porém, o convite para a TV foi uma total surpresa. Fiquei chocada, e fui fazer o teste em segredo, sem saber se era pra ser. Acabei me encantando com esta nova profissão. A minissérie foi a experiência mais linda da minha vida, e não vejo a hora de atuar mais.

Nessa minissérie Dois irmãos, você fez uma personagem importante na trama, tanto do romance quanto da minissérie, a Rânia, irmã dos gêmeos e fio condutor da cartografia do desejo do narrador e dos próprios irmãos. Que orientação você teve para fazê-la?

Tivemos uma preparação de três meses no Projac, com leitura de texto, improvisação, aulas de dança árabe, culinária, canto, até da língua árabe para entrar nesse universo. Nosso diretor, Luiz Fernando Carvalho, é um mago, dirigiu as coisas mais lindas a que assisti na TV e no cinema, e tivemos seu carinho, exigência e confiança total para contarmos a história fantástica do Milton Hatoum. Vivemos a história profundamente, sem dar mole, sem falsear nova, e saíamos, todos os atores e atrizes, transformados.

Você chegou a conversar com Carvalho sobre a construção da personagem, ou ele ficou só na coordenação dos diretores de cena? Se conversou, como foi essa conversa?

 Sempre conversamos. Luiz mostrou referências da personagem, fotos, livros, criei uma canção para ela no piano (dele, Luiz Fernando, que acabou sendo carregado para o quarto da Rânia para eu tocar durante as filmagens), tudo foi muito de perto. Luiz chamava a Rânia de “a mulher-mistério”, e fomos entendendo que ela era feita de silêncio, sombra, nuance, dor. Milton Hatoum também esteve um dia com a gente na preparação e contou o significado do nome da minha personagem: a domadora, o olho que tudo vê. Nunca esqueci disso.

Você é acostumada a lidar com artistas, afinal, é uma artista, mas foi fácil conviver com os egos da TV?

Aprendi que essa imagem que fazemos, dos atores intocáveis e convencidos, pelo menos num trabalho profundo como este, é uma mentira. Fiz improvisações e leituras com Eliane Giardini, Antonio Fagundes, Cauã Reymond, Juliana Paes, Antonio Calloni, Emilio Orciollo, Maria Fernanda Cândido, com a maior liberdade e naturalidade. Nunca fui tratada como uma iniciante, embora fosse iniciante. Estávamos de braços dados e alma atenta. Eliane, Cauã e Irandhir Santos foram como irmãos, foram a rede de segurança que me tranquilizava e encorajava.

Você chegou a ler outros livros de Milton Hatoum? O que pensa da obra dele?

Sim, li Cinzas do Norte, depois de terminada a minissérie, e li três vezes Dois irmãos, na época. Acho-o um autor fantástico. Delicado e forte. Dos maiores da nossa literatura!

Você se interessa em fazer mais televisão, foi sondada, convidada para mais alguma coisa na Globo ou em outro canal?

O que mais quero é atuar novamente. Estou trabalhando com o preparador de elenco Sergio Penna, que faz muito cinema e muitos trabalhos na Globo. Mensalmente, faço o curso para atores dele como cantora e atriz da equipe. E estou atenta a novos testes e convites. Tenho certeza de que em breve teremos felizes novidades!

E no teatro? Com que frequência você encena peças?

Nunca fiz. Mas tenho me inscrito em musicais que sejam voltados à MPB e ido a audições, acho que seria uma experiência maravilhosa!

Na sua relação com as artes dramáticas, de que modo isso vai para a música? Você diz que o palco é “o lugar mais confortável do mundo”. No palco, você faz marcação de cena? Interpreta? Como é? O que vai de teatro nisso?

Sempre. Trouxe desde 2009 uma direção de teatro para meus shows porque para mim sempre foi tudo a mesma coisa: cantar, atuar, dançar. Esta é minha marca: ser mais uma espalhadora de arte do que propriamente uma cantora. Minha necessidade não é cantar, é contar histórias. Seja lá da maneira que eu possa me comunicar, fico feliz e realizada. Estudo ballet, circo, desenho, escrevo, quero lançar meu próximo livro. Preciso me espalhar.

Do ponto de vista da interpretação, você está mais para dionisíaca ou para apolínia, solar?

Exatamente os dois. Sou totalmente solar e totalmente dramática. Só vejo graça quando intercalo as duas possibilidades, o equilíbrio e a falha, a luz e a sombra, a dor e a alegria.

De que modo você usa a literatura no universo da música, para compor, para cantar?

Tudo é literatura. Eu não canto, eu conto histórias. Sempre escolhi as músicas pelas suas letras. Não aceito cantar algo em cuja letra não acredito, e se componho algo cuja letra é fraca, jogo fora.

Como a literatura entrou na sua vida? Foi como a música?

Desde sempre. Minha mãe me ensinou a escrever em casa, e desde então tenho caderno pra tudo. Foi natural e irresistível como a música.

Você está sempre sorrindo nas fotos. Alguma coisa te aborrece?

Muitas! Esperar... Barulho... Preconceito... Trânsito... Michel Temer...

Você escreveu bons poemas sem pensar num livro, só depois de publicar os poemas no Instagram é que veio a ideia do livro. E agora? Está escrevendo poesia para um novo livro, ou escrevendo algum outro tipo de livro, um romance talvez?

Sim! Está quase pronto o próximo de poesia. Quero que o Pequena poesia passional seja uma trilogia.

Na sua infância, além das artes, você se interessava por que mais?

Nada, rs! Só queria escrever, ler e desenhar. E amava pular corda e andar a cavalo.

A casa onde você viveu a infância era grande?

Não. Moramos sempre em apartamentos pequenos, mas fazíamos a farra nas casas das vovós em Avaré. A casa da minha avó materna era uma escola de música quando eu era criança, o andar de cima era cheio de pianos e brincávamos de tocar sempre, eu e meus primos.

Pelo fato de seu avô ser de origem árabe (libanesa), você fala árabe?

Aprendi um pouco nas aulas, na Globo (na época da preparação para a minissérie Dois irmãos), e fiquei muito feliz.

Gosta da culinária árabe?

Opa! Lá aprendemos a fazer coalhada, kibe, kafta, babaganuch. Tudo isso eu amo. E a música libanesa me encanta.


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